Os gestos são constituintes inatos da linguagem e exercem importante contribuição nas situações da interação humana, seja verbal ou não verbal (MATSUMOTO e HWANG, 2013; PETTENATI et.al, 2012; LIBERAL et al., 2004; TOMASELLO et al., 1997; POORTINGA et al, 1983; MORRIS et al, 1980; BROOKS, 2004; JOHNSON et al, 1975; BROID, 1997; SPARHANK, 1976; POGGI, 2002; KENDON, 1992; 1995; 2004; 2015). Para Matsumoto e Hwang (2013), compreender os gestos é de fundamental importância para que possamos ampliar os nossos conhecimentos sobre a linguagem e a relação que estes estabelecem com a fala, sendo considerado um tópico pertinente de pesquisa.
Lascarides e Stone (2009), ao fazerem uma análise semântica formal dos gestos, apresentaram diferentes maneiras de classificá-los. Embora haja inúmeras nomenclaturas, eles podem, basicamente, ser categorizados em dois tipos: os ilustradores (illustrators) e emblemáticos (emblematics). Os primeiros coocorrem com a fala e fornecem uma imagem visual para o enunciado verbalmente produzido. Diferentemente dos emblemáticos, os gestos ilustradores são menos conscientes. Os emblemáticos (gestos simbólicos ou gestos emblemáticos), por sua vez, podem ocorrer independentemente da fala, veiculam mensagens sem quaisquer representações verbais; são, portanto, elementos versáteis cujas realizações podem ocorrer com ou sem o uso da fala. De acordo com a escala desenvolvida por Lascarides e Stone (2009), os gestos emblemáticos possuem um caráter quase linguístico, sendo essa a razão pela qual esses gestos são úteis no contexto interacional, com ampla existência intercultural, mas também, intraculturalmente.
Para Kinsbourne (2006), os gestos refletem o ato de pensar ou o pensamento, classificando-os como uma forma de cognição corporificada. Nesse sentido, podemos considerar que há uma relação de interdependência entre a linguagem e o uso de gestos. Tanto o falante quanto o ouvinte têm as mesmas mobilizações cerebrais para codificação e decodificação da linguagem. Ou seja, quando produzimos ou compreendemos (no sentido de ouvir) a língua, algumas zonas da parte motora do cérebro também são ativadas.
Os emblemas e a fala são estabelecidos socialmente; todavia, Pettenati et.al (2012) consideram que os gestos são inerentes ao ser humano. Em seu estudo, as crianças cegas, por exemplo, usam gestos ao se comunicarem. Liberal et al.(2004); Tomasello et al. (1997), por sua vez, ao estudarem a comunicação social em siamangs (symphalangus syndactylus), verificaram que os chimpanzés utilizam gestos para efetivarem a sua comunicação. Assim, enquanto a comunicação é uma habilidade universal, as formas específicas pelas quais essa comunicação ocorre podem ser diferentes, tanto verbalmente como não verbalmente. Para Xu et al (2009), há um sistema neural comum que processa gestos e fala. Dessa forma, considera que, assim como as palavras, os gestos são parte integrante das mensagens verbais.
Para Mcneill e Levy (1985), os gestos carregam estruturas informacionais, pelas quais os indivíduos, na enunciação, apresentam informações. Ou seja, os elementos gestuais possibilitam uma melhor interação, o que contribui na compreensão, isto é, na manutenção da intersubjetividade. Goldin-Meadow (1999) considera os gestos como propulsores do ato de fala, já que podem carregar informações que não constam na asserção verbal.
O trabalho desenvolvido por Lindenberg; Uhlig; Scherfeld; Schlaug e Seitz (2012) está caracterizado em uma perspectiva mais cognitiva, já que possibilitam aos indivíduos transmitir suas necessidades comunicativas, tais como representação de pensamentos e emoções. Nesse sentido, os gestos, quando produzidos, acionam zonas cerebrais responsáveis pelo controle da parte sensório-motora; e, ao serem decodificados pelo destinatário, acionam a área da linguagem. Para captarem os correlatos neurais, foram realizadas ressonância magnética ao mesmo tempo em que os indivíduos assistiam vídeos de gestos emblemáticos. Os participantes, durante a coleta de dados, foram solicitados a assumirem duas perspectivas: a) a do abordador, quando passam a imaginar e a executar os gestos (“expression” condition); e, b) a do destinatário, ao imaginar ser confrontado com os gestos (“reception” condition). Os resultados evidenciaram que há uma dissociação em representações do processamento de gestos emblemáticos entre o endereçador e o destinatário, além de componentes neurais que, ao serem ativados, acionam a área da linguagem.
Matsumoto e Hwang (2013), por sua vez, catalogaram e compararam os emblemas entre diferentes grupos culturais a uma lista padrão de mensagens verbais. Os resultados obtidos evidenciaram diferenças culturais no uso dos gestos emblemáticos com a elaboração de três categorias pelos autores: a) gestos diferentes para um mesmo significado; b) um mesmo gesto assumindo significados diferentes e; c) presença de gestos emblemáticos particulares a uma dada cultura e sem registro em outra cultura.
Embora algumas pesquisas tenham os gestos como objeto de estudo principal, seja na perspectiva da Linguística Interacional seja na perspectiva Comportamental, urge a necessidade de novas investigações que possam ampliar ou criar novas categorias para a caracterização completa dos gestos emblemáticos.
O presente Banco de Dados, constituído nesta plataforma digital, intitulado Gestos Emblemáticos do Português Brasileiro (Gemport.Br) tem por objetivo principal documentar, catalogar e organizar, em forma de banco de dados, os gestos emblemáticos (ou gestos simbólicos) do Português Brasileiro ainda não descritos nem categorizados nos estudos gestuais; e como objetivo complementar, constituir corpora multimodais regionais de gestos emblemáticos.
Descrever o caráter variacional dos gestos emblemáticos em uma perspectiva intracultural é de extrema importância para a complementação e a ampliação dos estudos linguísticos no Brasil e no exterior. Ademais, a catalogação dos gestos, aqui divulgados, contribuirão para o desenvolvimento de novas pesquisas descritivistas.
Referências:
BROID, N. (1977). Israeli emblems: Israeli communicative units, Unpublished doctoral dissertation. Tel Aviv, Israel: University of Tel Aviv, 1997.
BROOKES, H. A repertoire of South African quotable gestures. Journal of Linguistic Anthropology, 14(2), 186–224, 2004.
GOLDIN-MEADOW, S. The role of gesture in communication and thinking. Trends Cogn Sci 3:419–429, 1999.
JOHNSON, H. G., EKMAN, P.; FRIESEN, W. Communicative body movements: American emblems. Semiotica, 15(4), 335–353, 1975.
KENDON, A. Some relationships between body motion and speech. An analysis of an example. In: SIEGMAN, A.; POPE, B. (Eds.) Studies in Dyadic Communication. Elmsford, New York: Pergamon Press, p. 177-210, 1972.
_____. Gesticulation and speech: two aspects of the process of utterance. In: KEY, M. R. (Ed.) Nonverbal communication and language. The Hague: Mouton, p. 207-227, 1981.
_____. How gestures can become like words. In: POYATOS, F. (Ed.) Crosscultural Perspectives in Nonverbal Communication. Toronto: C. J. Hogrefe, Publishers, p. 131-141, 1988.
_____. Some recent work from Italy on quotable gestures (“emblems”). Journal of Linguistic Anthropology, 2(1), 72–93, 1992.
_____. Gestures as illocutionary and discourse structure markers in Southern Italian conversation. Journal of Pragmatics, 23, 247–279, 1995.
_____. Gesture. Annual review of anthropology, 26, 109–128, 1997.
_____. Gesture: visible action as utterance. Cambridge; New York: Cambridge Univ. Press, 400 p., 2004.
KINSBOURNE, M. Gestures as embodied cognition: A neurodevelopmental interpretation. Gesture, 6(2), 205–214, 2006.
LASCARIDES, A., & STONE, M. A formal semantic analysis of gesture. Journal of Semiotics, 26, 393–449, 2009.
LIEBAL, K., PIKA, S., & TOMASELLO, M. Social communication in siamangs (Symphalangus syndactylus): Use of gestures and facial expressions. Primates, 45(1), 41–57, 2004.]
LINDENBERG, R.; UHLIG, M.; SCHERFELD, D.; SCHLANG, G.; SEITZ, R. J. Communication with emblematic gestures: Shared and distinct neural correlates of expression and reception. Human Brain Mapping, Wiley Periodicals, INC; p. 812-823, 2012.
MATSUMOTO, D.; HWANG, H. C. Cultural similarities and differences in emblematic gestures. Journal of Nonverbal Behavior: Springer. DOI: 10.1007/s10919-012-0143-8. Vol. 37, number 1, p. 1-27, march 2013.
MCNEILL, D.; LEVY, E. Conceptual representations in Language activity and gesture. In: JARVELLA, Robert; KLEIN, Wolfgang (Org.). Speech, Place and Action. Chichester: Wiley and Sons, 1985.
MORRIS, D., COLLETT, P., MARSH, P., & O’SHAUGHNESSY, M. Gestures: Their origins and distribution. New York: Scarborough, 1980.
PETTENATI, P., SEKINE, K., CONGESTRI, E., & VOLTERRA, V. A comparative study on representational gestures in Italian and Japanese children. Journal of Nonverbal Behavior. DOI: 10.1007/s10919-011-0127-0, 2012.
POGGI, I. Symbolic gestures: The case of the Italian gestionary. Gesture, 2(1), 71–98, 2002.
POORTINGA, Y. H., SHOOTS, N. H., & VAN de KOPPEL, J. M. The understanding of Chinese and Kurish emblematic gestures by Dutch subjects. International Journal of Psychology, 28(1), 31–44, 1993.
SPARHAWK, C. M. P. Linguistics and gesture: An application of linguistic theory to the study of Persian gestures, Unpublished doctoral dissertation. Ann Arbor, MI: University of Michigan, 1976.
TOMASELLO, M., CALL, J., WARREN, J., FROST, G. T., CARPENTER, M., & NAGEIL, K. The ontogeny of chimpanzee gestural signals: A comparison across groups and generations. Evolution of Communicaton, 37, 223–259, 1997.
XU, J., GANNON, P. J., EMMOREY, K., SMITH, J. F., & BRAUN, A. R. Symbolic gestures and spoken language are processed by a common neural system. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(49), 20664–20669, 2009.